Com saúde não se brinca. Estar saudável durante o intercâmbio ou fazendo o tratamento adequado para a sua condição de saúde interfere diretamente na qualidade da experiência que você vai ter. 

Por isso, quem vai fazer um intercâmbio na Austrália e tem a saúde afetada por uma condição específica, deve se informar bem, antes de embarcar, sobre o acesso a medicamentos e tratamento no país. 

Apesar de ainda haver pouco conhecimento, um certo preconceito e até discriminação por parte da sociedade em geral com relação às pessoas vivendo com HIV, muitas dessas pessoas tem uma vida praticamente normal e podem fazer tudo (ou quase tudo) que pessoas que vivem sem HIV fazem, inclusive intercâmbio na Austrália. 

Nesse post, trazemos informações importantes sobre o assunto e o depoimento do Sandro Miranda, brasileiro que vive em Sydney e trabalha como voluntário na ACON, uma organização sem fins lucrativos de New South Wales que oferece apoio, através de orientação, ações e serviços, à comunidade LGBTQIA+ e às pessoas vivendo com HIV.  

Estudantes internacionais vivendo com HIV na Austrália

Quando uma pessoa vai fazer o pedido do visto de estudos para a Austrália são solicitados alguns exames médicos, mas o teste de HIV não faz parte nesses exames.

Apesar disso, essa pergunta é feita no formulário que o futuro intercambista preenche com seus dados de saúde, e o correto é que, caso você seja uma pessoa vivendo com HIV, você dê essa informação. 

Nós da Tagarela não temos conhecimento de nenhuma pessoa vivendo com HIV que declarou isso no formulário e teve o visto de estudante negado para a Austrália. Então se esse é o seu caso, fique tranquilo(a) pois a sua condição de saúde não vai interferir na decisão da imigração sobre a concessão do seu visto de estudos. 

Até porque, pelo que informa o site da imigração australiana, só é exigido que pessoas maiores de 15 anos façam teste de HIV “caso elas apliquem para vistos permanentes ou tenham a intenção de trabalhar como (ou estudar para se tornar) médico, enfermeiro, dentista ou paramédico na Austrália”.   

Sobre pessoas vivendo com HIV fazerem intercâmbio, o Sandro, brasileiro que trabalha como voluntário na ACON em Sydney, diz que na opinião dele, depende da condição geral de saúde física e psicológica de cada pessoa. 

“Pessoas com carga viral muito baixa e indetectável podem viver bem e normalmente. Entretanto, mesmo os medicamentos modernos para o tratamento do HIV podem causar efeitos colaterais. Tratamento, apoio e serviços estão disponíveis a todos na Austrália. Mas a distância da família e dos amigos no Brasil, e o que isso acarreta emocionalmente também deve se considerado”. 

Informação, prevenção e tratamento

Segundo Sandro, o acesso à informação e a grande parte dos recursos disponíveis tanto para prevenção quanto para tratamento de pessoas convivendo com HIV são oferecidos a todos os que vivem na Austrália, independente do tipo de visto. 

Para ele, o que pode tornar esse acesso difícil são as diferenças culturais e o idioma. “Muitos brasileiros e outros imigrantes LGBTQIA+ com vistos temporários que já entraram no país como portadores do HIV, recentemente foram diagnosticados com HIV ou simplesmente querem prevenir a doença, desconhecem os amplos serviços disponíveis em cada estado ou território australiano”. 

Sandro destaca que existem amplos serviços disponíveis para prevenção e tratamento para HIV/AIDS na Austrália para todas as pessoas vivendo com HIV, inclusive aqueles com vistos temporários. 

“Desde de 1º de julho de 2022, as pessoas vivendo com HIV que não são elegíveis para o Medicare (sistema público de saúde) podem acessar seu tratamento de HIV gratuitamente em farmácias hospitalares financiadas pelo governo. Houve um anúncio de boas-vindas feito pelo governo australiano, no Dia Mundial da AIDS de 2021, para um investimento de A$39 milhões ao longo de cinco anos para financiar o acesso ao tratamento e cuidados para pessoas que vivem com HIV inelegíveis ao Medicare. Até antes dessa data, o tratamento era gratuito apenas para pessoas que possuíssem o Medicare”.

Mais informações neste link

Em New South Wales, estado onde o Sandro mora, que tem Sydney como capital, os serviços de prevenção e apoio relativos a HIV/AIDS são liderados pela ACON e Positive Life NSW

Ainda em NSW, Sandro informa que o tratamento gratuito ao HIV é obtido através do teste positivo seguido pela consulta médica gratuita com um ‘HIV doctor’ (médico especialista em HIV) em uma das clínicas de saúde sexual espalhadas por todo o estado. 

Para quem quer se informar sobre apoio e serviços oferecidos a pessoas vivendo com HIV em outros estados e territórios da Austrália, esse artigo da ABC (rede pública de comunicação australiana) em inglês, traz links de organizações que atuam nacionalmente ou em cada localidade.

Já os residentes permanentes e cidadãos australianos têm acesso ao tratamento de HIV e prevenção através do Medicare. 

Para as pessoas que não são elegíveis para o Medicare e querem se prevenir com o uso do PrEP, é possível importar através da compra da versão genérica do medicamento de um fornecedor estrangeiro confiável. 

Sandro diz que para isso é necessário ter a receita médica antes de efetuar a compra online. Existem vários fornecedores que exportam a PrEP para a Austrália com custos variados. Alguns bem acessíveis. Para mais informações, visite o site ‘PrEP Access Now.

Austrália em destaque na prevenção e tratamento de HIV

Um dado que o Sandro acha importante destacar sobre a incidência de HIV na Austrália é que o país é atualmente um dos líderes mundiais na prevenção e tratamento do HIV, e registra os menores índices de HIV no país de todos os tempos.

“O relatório anual de vigilância, publicado nas Conferências conjuntas de HIV e AIDS e Saúde Sexual da Austrália na Sunshine Coast, mostraram que houve apenas 552 novos diagnósticos em 2021, uma redução de 48% desde 2012 e uma queda de 39% desde 2019”. 

ACON e trabalho voluntário 

Sandro começou a fazer trabalho voluntário na ACON em 2018, na Rede de Apoio Comunitário, para que pessoas vivendo com HIV tenham mais independência.

No site da ACON, que ganhou esse nome em 1985, quando foi criada, porque a sigla significa ‘AIDS Council of NSW (Conselho de AIDS de New South Wales)’, eles se definem da seguinte forma: 

Somos uma organização comunitária orgulhosa. Ao longo de toda a nossa história, o trabalho da ACON foi pensado por e para nossas comunidades. 

Fundada em 1985, nossos primeiros anos foram definidos pela união da comunidade para responder à epidemia de HIV/AIDS em NSW, e continuamos comprometidos em acabar com o HIV para todos em nossas comunidades. Fazemos isso realizando campanhas e programas para eliminar novas transmissões de HIV. Apoiar as pessoas que vivem com HIV para viverem vidas saudáveis e conectadas continua a ser fundamental para o nosso trabalho.

À medida que crescemos, temos orgulho de trabalhar com uma gama diversificada de pessoas para garantir que suas necessidades de voz e saúde sejam representadas no trabalho que fazemos”. 

Sandro conta que decidiu fazer parte da equipe da ACON como voluntário em 2018. “Em 1997, no segundo ano da universidade, quando revelei para família e amigos que sou gay, recebi muito preconceito e discriminação, o que impactou profundamente minha saúde física e emocional. Com o apoio de alguns familiares e principalmente de amigos e desconhecidos, superei essa fase difícil. Decidi naquele momento que iria ajudar pessoas com HIV/AIDS a superar suas dificuldades”. 

Na ACON, Sandro trabalha na Rede de Apoio Comunitário, em Sydney. Ele diz que o programa, que em inglês se chama CSN (Community Support Network), há mais de 30 anos apoia a qualidade de vida, independência e escolhas de pessoas vivendo com HIV em New South Wales. 

“A CSN fornece assistência prática gratuita para que pessoas vivendo com HIV sejam o mais independentes possível morando em suas próprias casas. Este programa está disponível para pessoas com diagnóstico de deficiência física ou cognitiva como resultado ou na presença de infecção pelo HIV, resultando em capacidade prejudicada para uma vida independente”. 

Ele diz que a CSN tem voluntários treinados que oferecem serviços como limpeza básica, jardinagem, compras de supermercado, lavar a roupa, preparação de refeição e transporte para consultas médicas. O serviço é financiado pela Secretaria de Saúde de NSW. 

“Atualmente faço a limpeza voluntária na casa de um senhor idoso que sobreviveu à epidemia da AIDS nos anos 80. Apesar do tratamento atual ser muito avançado e eficiente, muitos desses sobreviventes não têm contato com as famílias desde a epidemia, muitos perderam vários amigos para a AIDS e ainda sofrem sequelas dos medicamentos usados no passado no tratamento da AIDS, além de outras comorbidades físicas e mentais provenientes da idade e isolamento social”. 

Preconceito e discriminação

“Acredito que ainda há discriminação e preconceito na Austrália (com pessoas vivendo com HIV), mas de maneira muito mais branda e moderada do que no passado, no pico da epidemia. Não posso fazer um comparativo com o Brasil pois faz 17 anos que moro na Austrália e não tenho informações sobre os níveis de preconceito a portadores de HIV no Brasil”, afirma Sandro. 

Mesmo assim, Sandro acredita que a experiência do intercâmbio pode sim ser benéfica à saúde (principalmente mental) das pessoas que querem realizá-la. 

“Pessoas da comunidade LGBTQIA+, portadores ou não portadores do HIV, podem se beneficiar e muito de uma experiência de intercâmbio na Austrália”.  

*Foto principal: Cottonbro Studio/Pexels

Sobre o autor

Mariana Gotardo

Mariana Gotardo é jornalista com experiência de mais de 20 anos em TV no Brasil. Já foi repórter, apresentadora e editora. Desde 2015 mora na Austrália e produz conteúdo sobre intercâmbio em texto e vídeo.

2 Comentários

  • Que bacana em saber que existe um trabalho tão importante para prevenção e controle do HIV, fico muito feliz por isso e saber que temos um brasileiro que faz a diferença nesse processo. Aqui no Brazil, o preconceito ainda impera, sabemos que isso esta ligado a questão cultural e o nível intelectual das pessoas. Eu amo a Austrália, estive em 2019 passando férias por 15 dias e foi maravilhoso, estou planejando um intercâmbio para o inicio de 2024, espero encontrar vários amigos brasileiros e fazer novas amizades.

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