Foram nove anos de trabalho na indústria química após a conclusão de uma formação técnica. Depois, dez anos atuando como engenheira de planejamento no setor de gás e energia após um bacharelado em engenharia de produção. Esse é o histórico acadêmico e profissional da baiana Tamara Monford quando estava no Brasil.

Desde que chegou na Austrália, mais especificamente na cidade de Adelaide, em 2018, Tamara se dedica a outra formação e trabalho, em um ambiente bem diferente dos que frequentava profissionalmente no Brasil: a cozinha. 

Ela fez curso técnico (VET) de Commercial Cookery (Culinária Comercial) na Alliance College, referência na área de hotelaria na Austrália, e trabalha em cozinhas de restaurante e escola, além de preparar comida para eventos. 

Nesse post, que integra a série “Brasileiras na Austrália que inspiram”, pelo 8 de março, dia internacional da mulher, Tamara conta sua história, fala sobre mudança de profissão e do mercado de trabalho para chefes de cozinha na Austrália. 

Relação com a culinária

Depois de trabalhar por dez anos dentro de um escritório atuando na área de engenharia de planejamento, Tamara, junto com o companheiro Vinicius, tomou a decisão de ter uma nova experiência de vida na Austrália, e o plano incluía uma mudança drástica no ambiente de trabalho: do escritório para a cozinha.

“Durante o planejamento para mudar de país, ainda no Brasil, decidi que queria fazer o curso de chef. Nunca fui uma masterchef mas aprendi a cozinhar o básico desde jovem porque fui morar sozinha aos 19 anos. Minha família morava no interior da Bahia e eu fui pra capital estudar e trabalhar. Então aprendi a me virar desde cedo”, conta Tamara.  

A relação dela com a cozinha vem de berço, por influência da família e pelo fato de ter crescido em uma cidade do interior, no Recôncavo Baiano, região rica em sabores e ingredientes. 

“Lembro que todo sábado íamos à feira livre. Para mim, mais que uma obrigação, era um passeio. Amava experimentar as coisas, especialmente as novidades. As carnes curadas eram minha paixão. Farinha torrada, marisco catado na hora, frutas e verduras, tudo fresquinho”, detalha Tamara. 

Sobre os dotes culinários da família, ela destaca que a especialidade da mãe era bolo de aipim. Já os avós eram muito bons nos docinhos. Faziam doce de goiaba, bala de jenipapo e cocada. “Meu avô era um padeiro nato. Fazia pães incríveis. Infelizmente, nunca anotei a receita, mas ficou tudo na memória. Cresci comendo comida de verdade. Lembro da primeira vez que provei McDonald’s e pensei: ‘isso que chamam de comida?’ Achei horrível!”

Mudança de profissão na Austrália

Apesar de sempre ter tido uma boa relação com a comida e a cozinha, Tamara não chegou a pensar em ser chef no Brasil. “Nunca tive essa vontade, talvez pelas dificuldades nesse mercado de trabalho e pelo salário. Não é fácil ser chef no Brasil. Mas o desejo de cozinhar melhor para receber os amigos e ter mais confiança no que estava fazendo sempre existiram”. 

A vontade, que ficou reprimida por muitos anos, veio à tona quando Tamara viu que teria que estudar na Austrália. “Naquele momento eu pensei: por que não fazer algo novo? Algo que me permita viajar o mundo e usar minhas habilidades para ganhar um dinheirinho? Decidi então fazer o curso de ‘Commercial Cookery’ e amei”. 

Quando perguntada se em nenhum momento teve receio de recomeçar sua vida profissional na Austrália, Tamara diz que não. “Acho que não perdemos o que já fomos, só agregamos. Me tornar chef não me faz menos engenheira. Mas apesar de cada profissão agregar conhecimento à minha vida, tenho o receio de estar desatualizada em relação ao mercado se um dia eu decidir voltar a atuar como engenheira. Acredito que saber o momento ideal para se fazer uma mudança é importante”. 

Tempero brasileiro nas cozinhas australianas

Sempre que pode, Tamara prepara pratos brasileiros, como a moqueca baiana, em jantares com os amigos e até mesmo em eventos.

Tamara diz que quando se trabalha com culinária comercial, é preciso seguir as regras de cada cozinha, mas que mesmo assim ela tenta levar ‘um toque de Brasil’ a cada lugar onde atua. “Pelo menos o tempero, afinal, um pouco de alho e cebola não faz mal a ninguém”. 

“A cozinha brasileira para mim é uma das mais ricas em termos de variedade e sabor. Sempre que posso, recorro à culinária nordestina. Já preparei bolo de aipim e baião de dois para festa de São João. Anualmente faço um evento em casa, com os amigos, chamado ‘Baianidade’. No cardápio, acarajé, abará, caruru, vatapá, moqueca, caldo. Tudo para celebrar a comida brasileira”, destaca.

Mas ela também explora a gastronomia de outros países. “Na Austrália aprendi um pouco da cozinha japonesa e me apaixonei. Em casa sempre arrisco uma combinação Brasil-Japão e o resultado é surpreendente”. 

Aprendizados no trabalho e no novo país

Ao falar do trabalho que exerce, Tamara deixa claro que nem tudo são flores, mas explica o que a atrai na profissão: “Trabalhar na cozinha é muito cansativo, mas ao mesmo tempo é mágico. Quando você pensa que já sabe tudo, aprende uma coisa nova, uma técnica nova. É tão enriquecedor ver que com os mesmos ingredientes conseguimos reproduzir tantos pratos diferentes, apenas mudando a forma de fazer ou adicionando algo a mais”.  

E acrescenta: “Cada lugar que você passa oferece um aprendizado diferente. E não falo só de comida, mas também de relacionamento. Como se posicionar, principalmente sendo mulher num mercado que mesmo aqui na Austrália ainda é machista, e como mostrar seu valor como chef, senão você vai ser sempre a menina que lava os pratos, organiza e limpa a cozinha. A cozinha também me ensinou a ser mais paciente, pois cada preparo tem seu tempo, o que é muito importante. Esse exercício de ter que respeitar cada etapa e os processos me ajuda a ser mais paciente a cada dia”. 

Tamara também gosta de destacar o aprendizado de viver em um país multicultural como a Austrália. “O fato da Austrália ser composta por muitos imigrantes me fez refletir sobre a importância do respeito às culturas, aos hábitos, às escolhas de cada indivíduo. Independente de suas diferenças culturais, espirituais, sexuais, etc. De repente o mundo fica pequeno e grande com tantas possibilidades”. 

O começo na Austrália

Sobre a escolha da Austrália como destino para uma nova experiência de vida, Tamara diz que gosta muito da segurança e qualidade de vida que o país oferece. Mas o que a fez decidir pelo intercâmbio foi um desejo que sempre teve de explorar o mundo, aprender uma nova língua e ter novas experiências. 

“Lembro que durante a faculdade queria largar tudo, mas faltava um ano pra minha formatura e achei que seria loucura abandonar tudo no meio do caminho. Depois comecei a trabalhar como engenheira e adorava o que fazia. Fui realmente feliz e realizada na profissão, mas após dez anos, muitas mudanças estavam acontecendo no país e afetavam meu trabalho. No mesmo ano, um colega estava pesquisando sobre a Austrália para fazer intercâmbio. Naquele momento, o desejo de dez anos antes veio à tona e propus ao meu parceiro, que topou na hora”, explica Tamara.

Tamara, na foto com o companheiro Vinicius na vinícola d’Arenberg, em Adelaide, destaca a segurança e a qualidade de vida como pontos positivos de morar na Austrália.

Tamara lembra que os dois primeiros anos de intercâmbio foram difíceis por causa da adaptação, da COVID, dos trabalhos pesados até que ela conseguisse se estabelecer na nova profissão. “Mas depois de um tempo, só aumenta a vontade de ficar e chamar a Austrália de lar, porque você começa a construir laços e histórias aqui”. 

Ao detalhar a fase inicial e de adaptação ao novo país, Tamara explica: “Durante o intercâmbio passamos por várias fases e todas são essenciais para o nosso crescimento na Austrália. Aprendemos a dar valor a cada conquista, a cada visto aprovado, a cada novo emprego. Comecei trabalhando como cleaner (faxineira) e motorista de aplicativo. Não era muito feliz nessa época, mas sabia que era algo temporário, pois sempre soube que a cozinha era o meu lugar. Fazer o curso de ‘commercial cookery’ me ajudou bastante a ingressar rapidamente nessa área”. 

Ser mulher imigrante

Tamara destaca como uma dificuldade comum a qualquer imigrante na Austrália a comunicação com pessoas diferentes e de culturas distintas. Quanto às mulheres, ela ressalta: “a mulher aqui na Austrália, assim como no Brasil, precisa provar mais competência do que os homens para ter o real reconhecimento. Especialmente se estamos num papel de liderança, vejo que existe uma resistência dos homens em serem liderados por mulheres. Muitas vezes precisamos ser mais firmes em nossas atitudes para reafirmarmos que somos capazes. Somos testadas o tempo todo”. 

Às mulheres que querem ir para a Austrália estudar, trabalhar ou buscar um visto permanente no país, Tamara aconselha: “Planeje muito, junte dinheiro considerando que o custo de vida aqui é alto e nunca se esqueça do propósito que a trouxe aqui. Venha de mente aberta para viver novas aventuras, ter novas experiências, sem a pressão de que precisa dar certo. Essa pressão faz com que percamos o melhor, o processo e as descobertas durante o percurso de imigração. Lembre que sua vida está acontecendo nessa janela. Então faça o melhor e aproveite”. 

Já para quem quer mudar de profissão, ela sugere que não se tenha medo de mudar e que as escolhas sejam feitas por amor. “Já troquei de profissão duas vezes e fui feliz e realizada, porque sempre dei o melhor de mim e atuei com paixão no que exercia”. 

Por ocasião do dia internacional da mulher, em 8 de março, Tamara deixa a seguinte mensagem: “Mulheres, sejam independentes, principalmente financeiramente. A independência financeira nos dá liberdade para tomarmos decisões com mais segurança”.

Sobre o autor

Mariana Gotardo

Mariana Gotardo é jornalista com experiência de mais de 20 anos em TV no Brasil. Já foi repórter, apresentadora e editora. Desde 2015 mora na Austrália e produz conteúdo sobre intercâmbio em texto e vídeo.

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