Quando chegou na Austrália em 2015 com o marido e o filho, Mariana Klemp, que já tinha experiência na área de TI no Brasil, sabia que precisava de um bom planejamento, dedicação e paciência para chegar onde queria no país da Oceania. 

Atualmente como ‘product owner’ (gestora de produto) em uma empresa australiana, Mariana teve que percorrer um longo caminho até conseguir atuar na área de TI na Austrália. Passou um período se dedicando aos filhos e à casa, trabalhou como cleaner (faxineira), como consultora em agência de intercâmbio e com marketing e vendas em uma escola de cursos técnicos (VET). 

Nesse trajeto ela foi adquirindo conhecimento da língua inglesa e de si mesma, até chegar ao ponto de se colocar onde queria no mercado de trabalho australiano na área de TI e ajudar outras mulheres brasileiras a atuar no setor. 

Nesse post, que integra a série “Brasileiras na Austrália que inspiram”, pela ocasião do 8 de março, dia internacional da mulher, Mariana conta sua história e fala da comunidade IT BR que tem um grupo só de mulheres que se apoiam através de informações e trocas de experiências, além de vibrarem juntas com as conquistas de cada integrante. 

Mudança de país e de vida

O plano do casal Mariana e Helder ao partir para a Austrália em 2015 no visto de estudos já era imigrar para o país. Para que isso acontecesse, eles decidiram que Helder seria o estudante e Mariana iria como dependente. Já que Helder tinha formação e experiência em Tecnologia da Informação (IT em inglês), seria mais fácil que ele trilhasse o caminho para conquistar um visto de trabalho e em seguida permanente no país. 

Mariana então se dispôs a, nesse início na Austrália, cuidar da casa e do filho Vinicius, na época com um ano e meio, para que Helder pudesse estudar e buscar uma posição profissional na área dele. Apesar de Mariana sempre ter trabalhado em empresas de tecnologia no Brasil, como analista de negócios, com vendas e produtos, sua formação acadêmica era na área de saúde, em Terapia Ocupacional.  

“O Helder ficou com a responsabilidade de estudar, focar no inglês e no visto, enquanto eu fiquei com a tarefa de cuidar do filho e da casa em tempo integral. Mesmo assim eu arranjava tempo de me dedicar ao aprendizado do idioma em grupos de mães e cursos gratuitos na igreja”, conta Mariana. 

Depois de quase um ano na Austrália, quando Helder conseguiu um visto de trabalho através do patrocínio (sponsorship) de uma empresa, Mariana viu que era hora de deixar a rotina exclusiva de mãe e dona de casa para se dedicar um pouco a ela, nos âmbitos pessoal e profissional. 

“Comecei trabalhando como cleaner (faxineira) pois assim eu tinha dinheiro para colocar meu filho duas vezes por semana na creche e pagar por aulas particulares de inglês. Depois trabalhei em uma agência de intercâmbio e em seguida em uma escola de cursos técnicos (VET) como coordenadora de marketing e vendas”. 

Mariana diz que na Austrália se reinventou como mulher e como mãe. “Eu tive a oportunidade de me dedicar ao meu filho em tempo integral, de poder passar o dia em um parquinho, sair com outras mães e seus filhos. Aqui não temos ajuda, não temos família.  Pagar babá ou faxineira é caro. Por muito tempo eu tive que cuidar da casa, cuidar do filho e arranjar tempo pra mim, então aprendi muito. No início a gente estranha, demora um pouco pra você se achar no mundo novo. Você acaba esquecendo o que gosta de fazer e até mesmo quem você realmente é. Mas com o tempo fui me reinventando”. 

Mariana chegou na Austrália em 2015 com o marido Helder e o filho Vinicius. Só depois do nascimento do segundo filho, Tom, ela investiu na carreira na área de TI no país.

Maternidade e retomada da carreira de TI

Mariana conta que em 2017 nasceu o segundo filho do casal, Tom. “Nessa época já éramos residentes permanentes na Austrália. Foi quando eu decidi então voltar a atuar na área de TI com a experiência que eu tinha do Brasil. Eu recorri então à IT BR”.  

IT BR é uma associação sem fins lucrativos que iniciou suas atividades em 2016 e teve entre os fundadores o Helder, marido da Mariana. O objetivo era que fosse oferecido um apoio dos brasileiros que já trabalhavam com TI na Austrália aos que estavam começando ou pensando em ingressar no segmento. 

“Eu fiz contato e conversei com algumas pessoas da comunidade para entender o que eu precisava fazer para estar pronta a ingressar no mercado de TI na Austrália. Se eu precisava estudar, tirar alguma certificação, o que era necessário melhorar. Na minha licença-maternidade eu foquei em estudar e me preparar para me candidatar a vagas nessa área”, lembra Mariana.

Na área de TI na Austrália Mariana atuou como ‘business analyst’ (analista de negócios) no departamento de educação do governo. Depois ela trabalhou como ‘agile consultant’ (agile coach) e ‘product owner’ (gestora de produto). Hoje ela ainda atua como ‘product owner’ em uma empresa de seguros de vida. 

Comunidade IT BR para mulheres

A comunidade IT BR hoje funciona através de plataformas online como uma página no Facebook e grupos de WhatsApp onde há trocas de experiências, divulgação de informações e vagas de trabalho. Também são realizados encontros presenciais regulares em várias cidades da Austrália como Sydney, Brisbane, Adelaide, Perth e Melbourne. 

Sobre a participação dela na comunidade IT BR, Mariana diz que à medida que foi trabalhando e se desenvolvendo no segmento de TI na Austrália, sentiu a necessidade de compartilhar seu conhecimento com outras pessoas do grupo. 

“À medida que isso foi acontecendo eu vi que era necessário criar um grupo de WhatsApp só de mulheres. Hoje somos quase 500 integrantes, a maioria na Austrália. Eu dou dicas e, apesar de não ser da área de RH, reviso currículos de pessoas do grupo, principalmente quem atua nas mesmas funções em que tenho experiência. Como eu contrato pessoas, sei o que deve constar no currículo de quem quer um trabalho nesse segmento”, explica Mariana. 

“Mantenho essa comunidade viva sempre engajando as pessoas e ligando umas às outras conforme a área de interesse e atuação de cada uma. Nós também promovemos eventos presenciais entre as integrantes. Comemoramos juntas quando alguém consegue trabalho e trocamos experiências sobre tópicos fundamentais para nós, como por exemplo conciliar trabalho e maternidade. O grupo empodera muito as mulheres que participam”, destaca.  

Ao falar do seu papel dentro do IT BR, Mariana diz que sempre teve como causa ajudar as pessoas, e que herdou isso da avó, que era muito generosa. “Na Austrália isso se tornou parte fundamental do que sou. Fui muito ajudada por outras mulheres quando cheguei e sinto prazer em ajudar. Vibro com cada conquista compartilhada pelas meninas no nosso grupo. Vou sempre apoiar mulheres a serem o que elas quiserem, onde elas quiserem”.  

O grupo de mulheres dentro da comunidade IT BR tem hoje quase 500 integrantes de várias cidades da Austrália.

Mercado para mulheres profissionais de TI na Austrália

Na opinião de Mariana, o mercado de trabalho de TI na Austrália é muito mais acolhedor para mulheres do que no Brasil. “É claro que existem empresas de cultura machista, mas em contrapartida, existem várias empresas que têm programas específicos para mulheres que são mães e estão retornando ao mercado de trabalho após uma pausa para a licença-maternidade”, pontua. 

Ela chama a atenção para o fato de que vários empregadores entendem que quem tem filhos pode ter que se ausentar caso eles adoeçam, que há horário para buscá-los na escola. “Há empresas que evitam marcar reuniões nos horários de saída da escola, até porque não são só mulheres, mas também homens que têm o compromisso de buscar os filhos na escola”.  

Mariana lembra que na Austrália muitas mulheres optam por tirar uma licença-maternidade mais longa, de até um ano. “Há empresas que oferecem isso (licença estendida) como um benefício. E quando você vai buscar trabalho de novo e diz que fez uma pausa para a licença-maternidade, isso não é visto como um problema pelos empregadores (ou grande parte deles). Eu acho muito legal que na Austrália se respeite que uma profissional seja mãe. Também há em diversas empresas a política de oferecer salários iguais para homens e mulheres que ocupam a mesma função”. 

Às mulheres que ainda estão no Brasil pensando em trabalhar com TI na Austrália, Mariana deixa o seguinte recado: “Primeiro entrem no nosso grupo e comecem a entender o mercado aqui. Venham com um plano de imigração, estudando o que faz sentido para o seu visto. Invistam no inglês pois sem o idioma as chances são bem baixas. E por último, se fortaleçam emocionalmente para largar toda a carga cultural que tem. O mercado de TI na Austrália valoriza muito as mulheres, então se joguem!” 

Mulher imigrante na Austrália

Sobre a importância de mulheres imigrantes se apoiarem nos campos pessoal e profissional, Mariana diz o seguinte: “as mulheres precisam se unir e se apoiar em qualquer situação ou país, mas quando se muda para um lugar onde você não tem rede de apoio, isso se torna ainda mais importante. Quando nos mudamos para outro país, a gente traz toda uma bagagem cultural e precisa se adaptar à nova cultura. Se temos outras mulheres nos ajudando, nos sentimos mais confiantes”.   

Segundo Mariana, as dificuldades que as mulheres imigrantes enfrentam podem estar relacionadas ao visto que possuem. “Se você é dependente no visto (de estudos), você precisa apoiar seu parceiro, dar o apoio financeiro e emocional enquanto ele estuda e trabalha para conseguir o visto (permanente). Já se você é titular no visto, você tem toda a pressão de conseguir manter os estudos e ainda ter tempo pra trabalhar, pra você e pra sua família. A Austrália está bem à frente do Brasil nesta causa, mas a mulher ainda tem sim mais dificuldade em conseguir uma oportunidade de trabalho”. 

Mariana também acha importante destacar os pontos positivos de ser uma mulher imigrante na Austrália. “Mudou a minha visão de mundo. Hoje dou valor a momentos com a minha família, sentar em um parque, viajar, mais do que ter bens materiais. A Austrália me uniu ainda mais com o meu marido, já que no final das contas a gente tem apenas um ao outro. Sinto que valorizo ainda mais a minha família. Falo mais com a minha irmã agora do que quando estava no Brasil! (risos) A Austrália tem muita oportunidade, o que te dá segurança de mudar de carreira ou cidade caso tenha vontade”.

Para outras mulheres que pensam em fazer um intercâmbio ou imigrar para a Austrália, Mariana diz o seguinte: “Tenha sempre um plano A, B e C. Defina suas metas e coloque prazo pra elas, pois o tempo na Austrália passa muito rápido. Quando você vê, já se passaram anos. Busque ajuda da comunidade, mas não se apegue só aos brasileiros. Se está vindo em família, o casal deve conversar bem sobre como será o cuidado dos filhos e a divisão de despesas. Segure firme porque no início é difícil, mas com o tempo tudo vai melhorando”. 

Dia internacional da mulher

Pela ocasião do 8 de março, dia internacional da mulher, Mariana deixa essa mensagem: “Parabéns a todas nós que temos que lutar todos os dias pelo direito de ser o que quisermos, usar a roupa que quisermos e ter os mesmos direitos que os homens. Deus nos fez perfeitas para aguentar o rojão. Quando acharmos que a carga está pesada demais, vamos malhar perna pra aguentar! (risos)”

Sobre o autor

Mariana Gotardo

Mariana Gotardo é jornalista com experiência de mais de 20 anos em TV no Brasil. Já foi repórter, apresentadora e editora. Desde 2015 mora na Austrália e produz conteúdo sobre intercâmbio em texto e vídeo.

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