Apesar de ser de família proprietária de restaurante e de ter trabalhado na área de gastronomia no Brasil, quando a paulistana Bruna Kao foi para a Austrália, em 2019, não tinha a mínima ideia de que montaria seu próprio negócio no setor de alimentação no país. Isso aconteceu de forma natural e inusitada, um pouco graças à pandemia da COVID-19. 

Nesse post, que faz parte da série “Brasileiras na Austrália que inspiram”, você vai conhecer a trajetória da Bruna na terra dos cangurus e saber como uma mulher imigrante pode se tornar uma empreendedora de sucesso no país da Oceania.

Volta ao mundo e paixão pela Austrália

“Eu conheci a Austrália em 2018 em uma viagem de volta ao mundo. Gostei tanto do estilo de vida, a cultura de trabalho, o conjunto como um todo, que tomei a decisão de me mudar para cá depois que terminasse a viagem. Foi uma mudança de forma despretensiosa, sem um plano a longo prazo, mais como experiência de vida”, conta Bruna. 

Ao chegar na Austrália como estudante no final de 2019, ela, que já tinha tido experiência profissional com gastronomia no Brasil, logo arranjou emprego como sous chef (sub-chefe de cozinha) no Royal Children’s Hospital (hospital público infantil em Melbourne). 

Depois de quatro meses da chegada de Bruna à Austrália veio a pandemia e o longo período de quarentena adotado em Melbourne, o que a levou a perder o trabalho, como aconteceu com muita gente na época. 

Ideia de negócio durante a pandemia

Como uma forma de conforto após ter perdido o emprego, Bruna resolveu fazer pastel em casa para comer com o companheiro. Quando ele provou, adorou, e na mesma hora sugeriu que ela fizesse pra vender. Ela levou na brincadeira mas depois parou para pensar e achou que pudesse ser uma boa ideia, já que arranjar trabalho estava difícil naquele período de lockdown.

Ela então ligou para a mãe no Brasil, que já tinha sido proprietária de pastelaria, para pedir umas dicas sobre como preparar pastéis para vender. A partir daí, foi só divulgar em alguns grupos de brasileiros nas redes sociais, que imediatamente ela recebeu encomendas para preparar 172 unidades. Foi então que Bruna viu que essa realmente poderia ser sua nova fonte de renda.

“Eu passei um período de sete meses de lockdown vendendo pastéis e acabei introduzindo um outro produto: a massa de pastel. Esse produto deu uma ‘virada de chave’ na minha cabeça e no ‘desenho’ do negócio, pois a massa de pastel passou a ser vendida não apenas diretamente ao consumidor mas também a outras empresas. Nós realinhamos algumas estratégias e planejamos o design das embalagens para que tudo ficasse bem profissional, porque enxergávamos um grande potencial nesse produto”, explica Bruna.

Depois de vender pastel pronto por um período, Bruna viu que vender a massa de pastel abriria mais possibilidades para o seu negócio.

Desenvolvimento e crescimento da empresa

Bruna conta que logo começou a receber pedidos da massa de pastel de estabelecimentos comerciais (restaurantes/cafés). Comprando a massa, cada um colocava o próprio recheio e fazia os pastéis do tamanho que quisesse, o que dava versatilidade a eles e não gerava concorrência. Ela diz que o negócio foi crescendo através da massa de pastel, e deu menos trabalho na operação logística e na própria produção. 

“A partir daí veio a ideia e a possibilidade de vender a massa de pastel nos mercados para os consumidores, até porque a administração de vários clientes era muito difícil. Era menos trabalhoso gerenciar um ponto de venda do que 30 clientes que poderiam ser os compradores desse ponto de venda”. 

Depois ela fez um mapeamento de quem seriam os possíveis distribuidores para trabalhar com representação em vez de distribuição. “Eu encontrei então uma pessoa-chave, um grande parceiro, que é quem faz a distribuição, o que ajuda na parte logística e economiza meu tempo”. 

Hoje em Melbourne a massa de pastel da Bruna está em nove pontos de venda e cerca de sete estabelecimentos comerciais usam o produto para fazer e vender pastéis. Também há cinco pontos de venda em Queensland e o produto é distribuído para New South Wales e South Australia. Segundo Bruna, o plano para 2023 é distribuir para a Tasmânia e Western Australia. “É muito trabalho, mas vale a pena, e há toda uma rede de apoio que soma muito ao negócio”. 

Estudar na Austrália

Bruna chegou na Austrália como estudante, mas tem críticas ao sistema de ensino do país. Vim com a expectativa alta, porém os cursos VET (técnicos) não conseguiam se nivelar aos cursos livres profissionalizantes que fiz no Brasil. Essa frustração me fez desistir do primeiro curso que fiz aqui, de Commercial Cookery (Culinária Comercial). Mas vale a pena lembrar que eu já tinha experiência em gastronomia e dava aulas em São Paulo”. 

Mesmo um pouco decepcionada com os cursos feitos aqui, Bruna destaca que gosta de ver o lado positivo das coisas, enxergar as oportunidades e tirar vantagem delas. 

“Ao perceber que minha frustração pela educação não mudaria, comecei a entender que o estudo/escola é o primeiro contato com a cultura australiana do estudante internacional. Então comecei a fazer meus primeiros contatos e rede de apoio através da escola, com colegas, funcionários e professores, os quais eu adicionava no LinkedIn e deixava até depoimentos para ser lembrada por eles”. 

Ela também toca em um outro ponto: “Uma vez que o ensino exige um alto investimento financeiro, comecei a usufruir das coisas que faziam parte desse investimento. Passei a participar por exemplo das atividades extras oferecidas pelas escolas, como sessões de aconselhamento, mentoria e orientações sobre como fazer o currículo nos moldes australianos”. 

Sobre o MBA que está fazendo agora, Bruna diz que além de ser um caminho para a residência permanente na Austrália, é algo que soma à sua empresa. “Eu escolhi um MBA com dupla especialização. Uma em ‘Women in Leadership (Mulheres na Liderança)’ que é o empoderamento da mulher para tocar um negócio sozinha, ocupar uma posição de líder e oferecer apoio a outras mulheres. E a outra em ‘Hospitality and Tourism (Hotelaria e Turismo)’, que tem a ver com meu negócio e com minhas experiências profissionais anteriores”. 

Ao falar dos estudos na Austrália, Bruna conclui que “entre altos e baixos, os estudos são uma oportunidade pois acrescentam bastante. É muito importante ter um bom plano de estudos porque isso servirá de norte para muitos que querem imigrar, sem ter que se desgastar lá na frente”.  

Empreender na Austrália

Bruna diz que enxerga a Austrália como um país de oportunidades. “Para quem quer começar um negócio de pequeno ou médio porte, não tem muito segredo. O primordial é buscar informações, mas não apenas na internet. É importante se informar por telefone ou pessoalmente nos órgãos responsáveis, pois o atendimento é mais eficiente e as informações mais concisas”. 

Ela também chama a atenção para que tudo seja feito de forma correta. “Não vale a pena se arriscar na ilegalidade. Saber como tirar as licenças e tudo o que é necessário para abrir um negócio é essencial. Tem gente que fala que é muito burocrático e difícil, o que não é verdade. Tive dificuldade de encontrar os requerimentos, mas isso se resolveu indo pessoalmente ao council (prefeitura). Os funcionários e inspetores foram bastante solícitos e me orientaram bem. O governo tem interesse de que você abra um negócio, então eles te auxiliam ao invés de botar empecilhos”. 

Mulher imigrante empreendedora

Bruna conta que já foi ignorada em uma negociação por ser mulher. “Não se reportavam a mim quando falavam do meu produto, até que eu tomei a frente e disse que se eles quisessem meu produto na prateleira, teriam que falar comigo. Do contrário, não faria questão de estar lá. Eles não eram australianos, mas integravam o mercado de trabalho na Austrália, onde existe machismo. Só que comparando com o Brasil, acredito que na Austrália a igualdade entre os gêneros seja maior”. 

Ao falar sobre o fato de ser imigrante, ela destaca que gosta muito do estilo de vida australiano mais tranquilo, tanto na vida pessoal quanto profissional. “Isso tem me ajudado bastante a enxergar as prioridades da minha vida. A imigração também faz com que você trabalhe a resiliência”. 

Bruna gosta muito do estilo e qualidade de vida na Austrália. Nessa foto ela está em Brighton Beach, praia de Melbourne.

Às mulheres que pensam em fazer intercâmbio na Austrália, ou até mesmo imigrar para o país, Bruna diz o seguinte: “Venham mulheres! Não tenham medo, a vida é uma só. Escutem o que vocês querem! Não é fácil, mas vocês não ficarão desamparadas. Busquem rede de apoio em outras mulheres também. Vocês são corajosas. Viver nesse mundo injusto com as mulheres nos faz mais fortes”. 

Sobre ser uma empreendedora na terra dos cangurus, ela declara: “A vida de empreendedora não é fácil, mas se quer abrir o próprio negócio, a Austrália é um país de oportunidades, facilita bastante para as mulheres. Tem programas de incentivo, cursos profissionalizantes gratuitos, orientação dos órgãos responsáveis e espaço para todas”. 

Realização e planos futuros

Para Bruna, ter conseguido um trabalho em uma empresa australiana já nos primeiros anos de Austrália e ter montado um negócio que está presente em cinco estados do país fizeram com que ela se sentisse uma pessoa mais capaz, nos campos pessoal e profissional. “Essa mudança para a Austrália me fez enxergar minha capacidade e ver quão resiliente posso ser”. 

“Fora isso, é muito bom ver que a Austrália está proporcionando aquilo que eu vim buscar: uma qualidade de vida melhor, segurança, atividades ao ar livre, contato com a natureza e ir muito à praia, que eu amo”, completa Bruna.  

Quanto ao futuro, ela segue com o plano de expandir o Baborín Food (empresa de massa de pastel). “E já estou montando outro negócio, que é uma consultoria para ajudar mulheres e o público de diversidade a empreenderem com a comida, pois acredito muito na comida como uma ferramenta de empoderamento, que pode proporcionar independência e autonomia”.  

Dia Internacional da Mulher

Pela ocasião do 8 de março, o dia internacional da mulher, Bruna deixa a seguinte mensagem: 

“Quero reconhecer a incrível força, resiliência e coragem das mulheres imigrantes (ou não) em todo o mundo. Estamos em constantes desafios, desde navegar em novas culturas e idiomas até superar a discriminação, preconceito, machismo estrutural, estereótipos e tudo que há de injusto para nós. Apesar disso, mostramos repetidas vezes a capacidade de alcançar qualquer coisa a que nos propomos. Nossas contribuições para o trabalho, economia, sociedade, família, são imensuráveis. Vamos nos reconhecer e unir para trabalhar por um mundo mais justo e equitativo para nós e as futuras gerações”.

Sobre o autor

Mariana Gotardo

Mariana Gotardo é jornalista com experiência de mais de 20 anos em TV no Brasil. Já foi repórter, apresentadora e editora. Desde 2015 mora na Austrália e produz conteúdo sobre intercâmbio em texto e vídeo.

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